quarta-feira, 21 de março de 2018

=> CRÔNICA: LER E ESCREVER

POR: Givaldo Calado de Freitas*


Não faz muito, fui visitar um amigo. Recebeu-me em um dos cômodos de sua ampla e bonita residência, que logo entendi como seu recanto: o lugar onde estaria em paz para pensar, escrever e ler os seus livros como o faz, diariamente. Foi-me logo dizendo: “Não olhe a minha desarrumação, não. Confesso que ela é a melhor arrumação de que preciso. Dela e daqui, de onde tenho assento, mantendo controle de tudo. E depois, Givaldo, não queira saber a sensação de estar entre livros por todos os lados. Portanto, por eles cercado. Parece que eles estão a querer penetrar em mim. E eu a penetrar neles. Confesso que gostaria que fosse verdade. Não só, e tão só, sensação. Fosse, portanto, real. Eu, penetrando em meus livros. Meus livros, penetrando em mim. Ah! Se me fosse dado que isso ocorresse.”

Vi e pude sentir, nesse meu amigo, muita paz a lhe cobrir em seu exclusivo refúgio. 


Disse-me: “Aqui, amigo, adentra apenas eu, e um ou outro amigo a meu convite. Aqui, é meu refúgio. Aqui é meu altar. Aqui eu me encontro com meus tesouros - meus livros e minhas canetas. E você me faz lembrar o Marquês de Maricá. Que repetia sempre: ‘No Brasil, não se podem emprestar livros: os que os recebem, consideram-nos dados e não emprestados’.” 

“Você lembra, não é, Givaldo? A gente conversava muito a respeito disso na casa de Tobias. Nunca gostei de emprestar meus livros. Desde aqueles tempos. Minha mãe me dizia: ‘Quem empresta, não presta!’. E, sobretudo, naqueles tempos quando os recursos eram escassos. Por isso que tenho os livros que tenho. Livros que vêm daqueles tempos. Muitos! Livros que vieram depois. Também muitos. Livros. Livros. E livros... Alguns milhares. 

A propósito, Givaldo, você tem procurado as livrarias, os livreiros? Outro dia saí da minha residência com um de meus filhos a um desses Shoppings. Você sabe, não é: disse-lhe outra época. Não quero mais trabalhar. Lá, fomos a duas ou três livrarias. Você conhece as minhas predileções. Fiquei horrorizado com os preços dos livros, sobretudo os de Direito. Fiquei a me perguntar o que seria de mim se o tempo voltasse e eu tivesse que adquirir aqueles livros para avançar na minha formação. Tenho pena dos pais de família de hoje por conta do alto custo para conseguir dar uma boa formação a seus filhos. Livros de Direito, proibitivos. Livros de Medicina, nem falar, inacessíveis. Enfim, um verdadeiro absurdo.”

Saí da residência do amigo, não sem antes lhe dizer que, como ele, também tinha meus livros como meus melhores e maiores amigos. E, citando Mário Quintana: “O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado”. É como me sinto amigo, no meu refúgio. 

Por isso, amigo, nunca me vejo só, já que, como você, também vivo cercado de livros. Ah! E, deles, tenho muito ciúme. Meus livros e minhas canetas são meus amigos inseparáveis. Aqueles se confundem com estas.  “Escrever é lembrar-se. Mas ler é, também, lembrar-se”, dizia Mauriac. E esse exercício eu o faço todo santo dia. Apesar de meus dias a dia, ainda de muito trabalho.  


Saudando esse dia, portanto, estou a cortejar a leitura e a escrita. Enfim, o ler e o escrever. Que não têm fim. Salve o dia do livro! Que lembra leitura. Que induz à escrita. Mas sempre tendo em mente as palavras de Campoamor: “Quem me dera saber escrever!”. E eu completo: e ler. 

“Diante de seu discurso, Givaldo, em homenagem a este 29 de outubro, permita-me colocar que o movimento editorial no Brasil, que cresce e cresce, cada vez mais, não é de ontem, muito menos de hoje. Vem de longe. De muito longe. Do Brasil Colônia. Ele vem da instalação da Imprensa Régia, em 1808, pelas mãos de Dom João VI, então príncipe regente. Ele vem, um pouco depois, em 1810, da fundação da Biblioteca Nacional, quando se lançou o primeiro livro editado no Brasil, “Marília de Dirceu”, de Tomaz Antônio Gonzaga. Posto que, é certo, crescido mesmo só a partir de 1925 com a fundação da Companhia Editora Nacional, pelo escritor Monteiro Lobato.” 

Mas eu concluo meu discurso, amigo: temos que fazer a apologia do livro e da escrita. Esta, contudo, não só neste dia: 29 de outubro. Temos que fazê-la, sempre. E sempre. Sobretudo, às nossas crianças, a fim de que, desde cedo, o hábito da leitura seja-lhes presente em suas vidas, e por todas suas vidas. 

Abrir um livro é uma questão de hábito. E este, quanto mais cedo adquirido, mais presente estará no homem de amanhã. E, para abrir um livro, não é preciso escolher um lugar. Ele pode se aberto e lido em qualquer hora e em qualquer lugar. Basta querer.      

*Figura Pública. Empresário.


Crônica redigida em 29.10.2017

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